segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O Sonho


                     Era um domingo dessas loucas estações, que nunca se definem, mais um desses onde não se quer fazer nada além de ficar horas na frente de uma tela vegetando ao som do ruído global.
            Encontrava-me só num dos cômodos da velha casa, cheia de velhos móveis desbotados e corroídos pelos vermes do tempo onde eu (in)felizmente morava.
            Enquanto minha família se refugiava em um desses retiros protestantes, resolvi não ir e permanecer sozinho buscando um ‘eu’ na teletela.
            Uma grande alegria me dominava, talvez seja porque estava trabalhando mais do que podia, meu corpo estava cansado, fato, porém minha mente dizia para não parar, em momento algum – isso era apenas a repetição da frase favorita do meu chefe, que eu acatava-. Algo me angustiava naquilo tudo, não sabia o que pensar sobre esse meu estado caótico, sentia-me velho com apenas duas décadas e pouco de vida.
            Decidi descansar naquele domingo parado. Busquei esquecer-me do tal do emprego que eu preciso e estiquei minhas pernas na mesinha descascada de centro, busquei algo em que concentrar, não achei nada mais interessante que aquele programa repetitivo com belas dançarinas de domingo atarde. Bem ali, naquela bagunça colorida encontrei um objetivo, talvez da vida rica e glamorosa de pessoas que sempre quis ser. Eles sempre quiseram meu melhor e, me dizer o que era bom ou não, sempre foram meus conselheiros, meus guias. Eram diretos, e não nunca enrolavam para dizer o que comprar, o que comer e o que vestir. Compreendia tudo sem muito esforço intelectual, o que é muito simples e confortável para mim, jovem do século XXI.
            Sempre pensei em como eles sofrem, e como deve ser difícil lidar com a fama, e as dezenas de paparazzi que os persegue durante o dia, e de como deve ser complicado lidar com seus chefes, quando simplesmente os libera para passar a tarde no Leblon, Ipanema ou na linda Lagoa Rodrigo de Freitas, quando o que edifica o homem é trabalhar, e não descansar. Tudo contra vontade, é claro.
            Paralisado em frente a tela, capotei.
            Viajei, e viajei muito longe. Era muito real, e vivia em outra dimensão, vivenciava naquele momento um pesadelo, instantes de angústia e terror. Coisas que jamais pensei que existissem estavam acontecendo, coisas totalmente fora do comum, e nunca vistas antes na nossa sociedade tão evoluída e querida por status e bens materiais.
            Eu voava naquele terror instalado na Terra, de longe avistei um horizonte de campos coloridos pelas flores da primavera e animais correndo e brincando junto com humanos que riam sem parar. Eles viviam em um estado social totalmente crítico, não podiam/precisavam trabalhar, simplesmente viviam a mercê da natureza, colhendo da terra e produzindo somente o suficiente para sua existência tão sutil e leve.
            Diziam-se evoluídos, mas como poderiam ser se nem ao menos tinham carros, casas enormes ou status? Nada compreendia daquilo, era tudo uma grande confusão, a paz e a tranquilidade deles era caótico para mim, totalmente diferente da realidade perfeita que sempre disseram que eu tinha.
            Em outro canto daquele grande campo gramado, vi crianças brincando de jogar para o alto as flores cheirosas que caíam das grandes  árvores, o perfume delas se espalhava pelo ar, onde eu estava flutuando. Com uma leve brisa fui levado à força até lá e meu corpo dançava e obedecia aquela ensurdecedora canção de violino. Nunca quis tanto estar em outro lugar.
            Fui jogado ao fundo daquele turbilhão de diversas flores, que descia cada vez mais, parecendo uma aeronave, prestes a se esborrachar. Avistei a Terra e logo reconheci o lugar por onde ia cair. A voz do programa da teletela me chamava de volta para a realidade, me tirando daquele sufoco e trazendo-me de volta para a velha casa cheia de fumaça de carros e cigarros, juntamente com o barulho de buzinas loucas, batidões e berros de um casal brigando na casa ao lado.
            Alívio.
            Abri meus olhos e quando olhei ao redor vi vestígios de um pesadelo do qual jamais quero presenciar, e nunca desejaria a ninguém, afinal, meus ídolos da televisão nunca ditaram nada a ver com aquilo, portanto aquilo não poderia existir e nem ser possível.
            Limpei as flores coloridas e cheirosas do chão da minha velha e escura casa, antes que alguém visse aquilo e resolvesse me excluir da linda sociedade da qual vivo e sou (in)feliz.
            E assim, levantei-me da minha zona de conforto em pleno domingo e voltei a trabalhar em busca do meu caráter e do meu sonho.


 (Texto adaptado do original "O SONHO" da autora Neide Rocha Portugal, do livro "Memórias, contos, crônicas e haicais", pág. 59, para um tom ironico, criticando os tempos modernos. Texto por Mariana Justino). 

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